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sexta-feira, 2 de março de 2012

Independência


Frango assado, arroz e feijão. Ele pega um prato e senta à mesa - pequena, redonda, como aquelas dos bares cheios de maridos livres, aos domingos.
Dois bocados, um gole de suco.
Olha ao seu redor, vê as paredes lisas e percebe o quanto jantar sozinho é acinzentado, como os azulejos da cozinha.
Uma única cadeira, um único prato... E o silêncio absoluto, interrompido apenas pelo barulho do seu talher contra a louça decorada com motivos italianos.
Um sentimento estranho, algo entre a tristeza e a satisfação, toma conta de sua cabeça com notas de Yann Tiersen - aquele que o faz pensar que seu piano é tocado com suas próprias lágrimas.
E em nenhum outro momento do seu dia ele percebe com tanta certeza a solidão que se esconde na independência de morar sozinho.
Ele se vê em um retrato em preto e branco exposto na Pinacoteca, que só seria bonito se o protagonista da história não fosse ele mesmo.
Se existisse uma platéia seria uma perfeita cena de teatro escrita por Nelson Rodrigues. Sem nudez. Mas se houvesse a platéia ele não estaria mais sozinho e já não pareceria tão triste. Se é triste.
Mais um bocado. O silêncio grita em seus ouvidos e ele se lembra das crianças brincando de comidinha, cercadas por bonecas e bichos de pelúcia.
Até as crianças têm companhia em seus jantares de brinquedo.
Ele tenho coisas pra dizer, muitas coisas pra contar para alguém - qualquer um - que não está ali.
Ás vezes ele se cansa de conversar consigo mesmo, tem vontade de outros ouvidos, outros barulhos de talheres, dois, três ou quatro copos cheios de suco.
Mas está sozinho, com seu jantar acinzentado.
Mais um dia.

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