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sexta-feira, 2 de março de 2012

Iron Men

Incontestável a superficialidade humana em nossos tempos. Nada mais existe de profundo, nada mais existe de verdadeiro. Viramos todos bonecos de plástico... homens de ferro.
Em algum lugar entre a tecnologia e o progresso, perdemos nossa capacidade de sentir.
Se há alguns anos falava-se em sermos todos substituídos por robôs, suspeito que isso já tenha ocorrido. Não temos parafusos e ferro em nossos corpos, mas temos aço em nossas almas.
Viramos Ipods ambulantes, com nossas listas de mp3 e um chat sem graça com o vendedor da esquina.
Apenas o “necessário”.

Pergunte a alguém o que ele levaria para uma ilha deserta e ele dirá “um Xbox”, “um tocador de mp3” ou “um protetor solar”. Ninguém diz “minha mãe” ou “meu filho”.

Não faltam formas de desviar a atenção da dor.
Não doemos mais e, assim, não aprendemos mais. E não amamos mais, porque só sabemos quanto vale o amor perante a dor.
Não perdemos mais nada porque nada mais temos além de um celular com TV digital. E não queremos mais nada porque nossas vontades e objetivos esmoreceram rumo ao “país de primeiro mundo” – aquele como a China, cheio de tecnologia e crianças sendo obrigadas a correr nuas na neve enquanto suas lágrimas congelam como o coração de seus pais.

Até quando suportaremos?
Por que faz mais sentido passar horas em frente ao computador do que pegar a mão da pessoa amada e mostrar-se presente? Por que é mais fácil trabalhar por horas a fio ao invés de preparar um jantar para a família? Por que precisamos ganhar cada vez mais dinheiro de forma cada vez mais penosa para adquirir coisas cada vez mais fúteis, que nos fazem cada vez mais sozinhos?

Estamos sozinhos. Na Avenida Paulista ás dezoito horas, estamos sozinhos. No congestionamento das sete e meia, estamos sozinhos. No trabalho, nos lares, nos fins de semana... Estamos sempre sozinhos.

Incontestável a superficialidade humana. Porque diante de tudo isso, não há sofrimento. Há apenas vazio.
Somos, incontestavelmente, homens de ferro.

Liberdade?

Nacionalismo, religião, compaixão e suas vertentes - todo tipo de coisa que cerceia a verdadeira e legítima liberdade do ser humano. 
Mas ter o ideal de liberdade já não é construir muros ao invés de destruí-los? O que é a liberdade além do homem como humanidade?
Imagino algo como energias, pontos de luz flutuando pelo buraco negro do universo. Pois, como se libertar de tudo aquilo que nos faz ser quem somos? E quem somos além de tudo isso? Quem seríamos se os ideais de sociedade não existissem?
Existiríamos, afinal?
Permeiam idéias de que o ser humano nunca poderá ser livre simplesmente por ser humano. A liberdade pode ser um objetivo inatingível, pelo excesso de paradoxos contidos na relação Homem x Liberdade.
Como pode ser livre alguém que tomou a decisão de sê-lo? Decisões fazem parte de um universo de escolhas e escolhas são verdadeiros abismos entre querer e fazer.
Para a maioria dos filósofos, conquista-se a liberdade através do acumulo de sabedoria. Mas não é verdade que, quanto mais se sabe, mais ficamos dependentes de informações alheias? Até que ponto o conhecimento nos fornece a base necessária para que possamos despertar em nós mesmos nossas próprias opiniões?
Não sei se nossas idéias nascem a partir de uma história contada por outros. Talvez isso borre ainda mais a nossa visão a respeito de nós mesmos.
Será?

Provavelmente a história – o passado, o acontecido – é um grande obstáculo em nossa busca pela íntima verdade. Podemos confiar em livros, informações traduzidas e reeditadas que passaram por inúmeras mãos absorvendo o entendimento e compreensão de diferentes pontos de vista? São dados confiáveis?
Mas então, como adquirir conhecimento?
Consideremos o conhecimento particular, sem a interferência de ruídos de outras mentes. Viagens e caminhadas são uma ótima forma de absorver opiniões legítimas – as suas!
É o que você vê o que entra de forma limpa e clara na sua profundidade pessoal. Precisamos fazer nossa própria história – um passado curto, certamente, mas puro e legitimo.
Seria este o primeiro passo para alcançar a liberdade?
A partir disso, talvez pudéssemos ignorar o ideal de sociedade como um todo e viver como indivíduos. O amor ao próximo, por mais pessimista que possa parecer esta idéia, está absurdamente distante da liberdade pessoal. Podemos deduzir então que, viver com outras pessoas é o oposto de ser livre?

Buscando a liberdade, inúmeras pessoas isolaram-se do mundo. Mas desde quando vir-se obrigado a estar distante é estar mais próximo de ser livre?
Isto não é liberdade, é solidão. E solidão é uma masmorra.
A liberdade compreendida pelo ser humano é muito limitada. Querer, desejar, buscar... Todos são fatores de submissão acerca de si mesmo.
Não, o homem nunca será verdadeiramente livre, simplesmente porque é. Para alcançar tal objetivo, apenas o não-ser; o nada.
O resto resume-se a espontaneidade e independência.

Independência


Frango assado, arroz e feijão. Ele pega um prato e senta à mesa - pequena, redonda, como aquelas dos bares cheios de maridos livres, aos domingos.
Dois bocados, um gole de suco.
Olha ao seu redor, vê as paredes lisas e percebe o quanto jantar sozinho é acinzentado, como os azulejos da cozinha.
Uma única cadeira, um único prato... E o silêncio absoluto, interrompido apenas pelo barulho do seu talher contra a louça decorada com motivos italianos.
Um sentimento estranho, algo entre a tristeza e a satisfação, toma conta de sua cabeça com notas de Yann Tiersen - aquele que o faz pensar que seu piano é tocado com suas próprias lágrimas.
E em nenhum outro momento do seu dia ele percebe com tanta certeza a solidão que se esconde na independência de morar sozinho.
Ele se vê em um retrato em preto e branco exposto na Pinacoteca, que só seria bonito se o protagonista da história não fosse ele mesmo.
Se existisse uma platéia seria uma perfeita cena de teatro escrita por Nelson Rodrigues. Sem nudez. Mas se houvesse a platéia ele não estaria mais sozinho e já não pareceria tão triste. Se é triste.
Mais um bocado. O silêncio grita em seus ouvidos e ele se lembra das crianças brincando de comidinha, cercadas por bonecas e bichos de pelúcia.
Até as crianças têm companhia em seus jantares de brinquedo.
Ele tenho coisas pra dizer, muitas coisas pra contar para alguém - qualquer um - que não está ali.
Ás vezes ele se cansa de conversar consigo mesmo, tem vontade de outros ouvidos, outros barulhos de talheres, dois, três ou quatro copos cheios de suco.
Mas está sozinho, com seu jantar acinzentado.
Mais um dia.

Borderline


Dentro do caráter patológico, as estatísticas dizem que mais de 400 milhões de pessoas no mundo têm algum distúrbio psiquiátrico. Em São Paulo, essas pessoas representam mais de 46% da população.
Fato: eu virei uma estatística.
Aos 27 anos, eu me tornei 50mg de Neural e terapias semanais. Ao menos é assim que sou vista pelas pessoas "comuns".
Mas essas pessoas "comuns" não sabem que também se encaixam em algum pedaço desses 46% de Paulistas e, assim, são vistas como "normais", seguindo sua vida sem tarjas pretas. Cidadãos pacatos, trabalhadores, que levam a família para o parque do Ibirapuera aos domingos.
A grande questão é: até que ponto estar consciente de uma doença psiquiátrica é chegar mais perto da cura?
Até os 18 anos, eu fazia parte - ou pensava que sim - dos 54% da população com cérebro saudável. Com meus momentos de fraqueza, tristeza, crises de raiva... Mas todos superáveis porque, afinal de contas, qualquer ser humano normal tem seus altos e baixos. Quando passei de 54% para 46%, tudo mudou. Todos os problemas e dificuldades da minha vida passaram a ser resultado de depressão, transtorno bipolar, borderline, transtorno obsessivo compulsivo e/ou ansiedade. Distúrbios psiquiátricos.
De repente nada mais era ocorrência do cotidiano e tudo era justificado como consequência de uma doença. E se é uma doença, nada posso fazer. Está além do meu possível.
É confortável a vida do paciente emocional. Confortável e absolutamente desesperadora!
A consciência da doença te leva a aceitar situações que seriam possíveis - e fáceis - de se resolver se alguém usando um jaleco branco atrás de uma mesa não tivesse carimbado um número do CID no meio da sua testa.
Parabéns, agora você tem código de barras!
Até aquele momento você era responsável por suas atitudes. Agora você já não tem mais controle sobre nada. Apenas remédios controlados. Pílulas de estabilidade. Drogas de justificativa. Comprimidos de "a culpa não é minha, é a doença".
Ironicamente, tudo isso é verdade. Mas também é verdade que descobrir uma doença, quase sempre te torna ainda mais doente. Um diagnóstico pode até abrir uma fresta na janela, mas fecha todas as portas e te deixa na escuridão total.
Você sofre por conseqüência da doença, mas menos pelos sintomas e mais por “possuir” a doença que, afinal, basta entrar em qualquer consultório de psiquiatria para adquiri-la gratuitamente e sem taxas anuais.

Perder o livre-arbítrio para um transtorno afetivo é perder a felicidade procurando por ela.
Quase sempre em vão.